No mês passado, foi aprovado pelo plenário do Senado Federal o PL 4.173 de 2023 (“PL”), que trouxe modificações importantes à sistemática de tributação para os investidores internacionais, principalmente aqueles que detêm Private Investment Company (“PIC”; “Offshore”) em jurisdições com tributações favorecida[1].
Ao longo deste artigo, traremos contrapontos e visões no intuito de contribuir ao debate técnico sobre o tema.
Em síntese, os principais pontos do PL aprovado no Senado foram:
- Introdução de regras anti-diferimento para empresas controladas no exterior, independente de distribuição (“CFC rules”);
- Uniformização das alíquotas para rendimentos e ganho de capital no exterior em 15%;
- Possibilidade de atualização do custo reportado das empresas offshore pelo patrimônio líquido com desconto no pagamento do imposto;
- Manutenção do regime de caixa para empresas offshore que optarem pela transparência fiscal (“check-the-box”);
- Regras específicas de contabilidade para as empresas depende da jurisdição em que a controlada estiver localizada e origem de renda.
Pela legislação atual, estes investidores são tributados somente no momento de distribuição de dividendos ou retorno de capital, sendo controladores do momento de pagamento do imposto e beneficiários do diferimento.
De qualquer sorte, antes de adentrar ao mérito do texto, é necessário fazer algumas reflexões:
- Legislações anti-diferimento são uma tendência global[2]: claramente existe uma discussão sobre o momento e intuito do presente projeto, principalmente sobre a necessidade de arrecadatória e déficit orçamentário. Entretanto, o Brasil ainda é era um dos poucos países que planejam aderir à OCDE que não possuíam tal mecanismo.
- Carga tributária reduzida: sob a legislação atual, eventual distribuição de dividendos é tributado às alíquotas progressivas de até 27,5% e o ganho de capital até 22,5%. Com a aprovação do PL, teremos uma diminuição da alíquota e consequente carga tributária.
- Empresas offshore continuam sendo a melhor opção para investir no exterior: para investimento no exterior superiores a USD 250,000.00 no mercado financeiro americano, a exposição ao estate tax pode ser quase confiscatória. Investir via empresa offshore pode mitigar este risco, além de conceder proteção patrimonial aos investidores, além da existência de ferramentas de facilitação sucessória que aceleram a transmissão do patrimônio.
[1] Conforme IN 1037 da Receita Federal do Brasil.
[2] OCDE (2023). Inclusive Framework on Base Erosion and Profit Shifting (BEPS). Action 3 — Controlled Foreign Company.
Problemas e riscos do sistema de tributação atual
Acompanhamos ao longo dos últimos anos um intenso debate legislativo e tentativas de tributação de pessoas físicas que detinham entidades controladas no exterior, conforme exposto abaixo:
No cenário atual, com ausência de legislação específica, não há segurança jurídica para o residente no Brasil que possui investimentos internacionais. Os anos passaram, as operações ficaram mais complexas, globalizadas, sendo de suma importância o cenário jurídico acompanhar esta evolução.
Estar em conformidade com o texto legal evita, por si só, autuações do fisco com consequente implicação de multa (que pode chegar até 150%) e juros SELIC.
Acreditamos que o PL trouxe essa possibilidade e gostaríamos de fazer um contraponto em relação aos receios que cercam este projeto.
Desmistificando o PL das Offshores
1) Zerando o jogo: o PL oferece a oportunidade de atualização a valor de mercado dos bens e direitos no exterior declarados, à alíquota de 8%.
2) Alíquota do imposto é “justa”: analisando o cenário atual, temos uma progressividade que pode chegar até 27,5% sobre o valor do rendimento recebido. O PL introduz uma alíquota de 15%, ou seja, muito reduzida quando comparada à atual.
3) Eventos anuais de liquidez: sob a mecânica do PL, o lucro será considerado como distribuído todos os anos no momento de pagamento do imposto junto com a declaração do imposto de renda anual, criando, consequentemente, a possibilidade de transferência dos lucros anuais para a pessoa física com o objetivo de fazer gastos pessoais sem receio de tributação adicional.
4) Dedução de lucros de subsidiárias no exterior: os lucros das subsidiárias no exterior serão apurados de forma individualizada, com exclusão dos resultados da controladora, evitando, desta forma, a bitributação. Cada empresa deverá controlada, direta ou indireta, irá reportar os lucros e impostos possivelmente pagos no exterior.
5) Dedução de lucros de controladas no Brasil: poderão ser deduzidos da base de cálculo dos lucros da offshore os prejuízos apurados em balanço, lucros e dividendos de suas controladas domiciliadas no Brasil e rendimentos auferidos no Brasil, desde que tenham sido tributados à alíquota mínima de 22,5%.
6) Compensação de prejuízos entre ativos: possibilita a compensação de lucros e prejuízos apurados a partir de janeiro de 2024 para ativos de naturezas distintas com possível diminuição do lucro tributável;
Empresas offshore continuam sendo a melhor opção para investir no exterior
Para patrimônios superiores a USD 250,000.00 continua sendo vantajoso para os residentes fiscais no Brasil investirem no exterior via estruturas internacionais, principalmente se o objetivo for investir no mercado americano.
O investimento via empresa offshore apresenta os seguintes benefícios em relação à pessoa física:
- Eliminação do imposto de herança nos EUA: mitigação do risco de incidência do estate tax nos EUA, que pode chegar até 40% sobre o valor do ativo que exceder USD 60,000.00;
- Planejamento sucessório: organização, em vida, da sucessão e transmissão de bens para os herdeiros e/ou beneficiários de estruturas fiduciárias no exterior (trusts).
- Possibilidades de racionalização fiscal: apresenta alíquotas de imposto similares ao investimento no exterior via pessoa física, porém com possibilidade de estratégias de racionalização fiscal não disponíveis para a pessoa física;
- Proteção patrimonial: separação de patrimônio entre pessoa física e jurídica, como mecanismo para evitar disputas societárias e familiares, além de processos judiciais;
- Simplificação das obrigações acessórias no Brasil: investimentos concentrados na empresa offshore declarando somente em uma linha na ficha de bens e direitos da Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda e na Declaração de Capitais Brasileiros no Exterior do BACEN (DCBE);
- Tributação anual: A tributação dos investimentos no exterior via pessoa física continua a ser mensal via carnê leão, enquanto os rendimentos auferidos pelas companhias offshore só são tributados anualmente mediante apuração de balanço;
Ponto sensível do projeto
Embora o projeto tenha redações claras, existe uma grande polêmica sobre a contabilidade que, pelas regras internacionais, exigirão que os lucros não realizados pelas empresas sejam marcados a valor de mercado anualmente e, consequentemente, serão computados no lucro do exercício.
Pelas normas internacionais de contabilidade, os ativos sofrem uma marcação a valor de mercado no fim do ano e, eventual valorização, é reportado na conta contábil de “lucros acumulados”.
O PL prevê que independente de realização deste lucro, ocorrerá fato gerador de tributação em 31.12 de cada ano e consequente recolhimento do imposto, de forma que, este ponto, em específico, pode gerar um contencioso nas esferas administrativa e judicial.
Vejamos na prática:
Ex.: Em janeiro de 2024, André comprou ações da Apple no valor de USD 10.00 como investimento de longo prazo via sua offshore. Em 31.12.2024, estas mesmas ações estavam valendo USD 50.00, “lucrando”, desta forma, USD 40.00 por ação.
Esta valorização, portanto, é contabilizada no resultado do exercício e, pelo texto do PL, será contabilizado no lucro da estrutura, devendo ser recolhido o imposto – o que não parece ser justo em um primeiro momento.
Apesar desta sensibilidade do projeto, o PL trouxe consigo uma alternativa de planejamento tributário que é a opção da transparência para fins fiscais da offshore. Com esta transparência, a pessoa física deverá declarar os ativos detidos pela empresa offshore como se fossem detidos pela pessoa física e, consequentemente, será mantido o regime de caixa – i.e., tributação dos lucros somente quando serão realizados.
Necessário destacar que esta é uma opção definitiva, não sendo possível tornar a offshore “opaca” após a escolha, devendo ser reportada como transparente na declaração do imposto de renda da pessoa física de todos os sócios da estrutura.
Oportunidades de planejamento tributário
Ante tudo que foi exposto e as inúmeras oportunidades de planejamento tributário que o PL trouxe, é necessário destacar duas delas:
- Atualização do estoque de lucros da empresa offshore: para aqueles investidores internacionais que detém lucros acumulados na estrutura, há uma grande oportunidade de ter acesso a esse estoque com pagamento de imposto com alíquota de apenas 8%, ao invés da atual alíquota sobre resultados distribuídos que vai até 27,5%.
- Opção de transparência para fins fiscais: para os investidores internacionais que possuem ativos ilíquidos na offshore (i.e., bonds de longo prazo, private equity, venture capital) pode ser uma grande oportunidade de planejamento tributário, em virtude da manutenção de regime de caixa.
Conclusão
Em nossa opinião, entre os projetos já escritos sobre o tema, este é o que tem a melhor redação e que mais traz segurança jurídica ao contribuinte.
Investir via offshore continua sendo um negócio atrativo, tendo em vista a proteção patrimonial, economia tributária e a facilitação sucessória.
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